Poemas participantes da enquete ( Em teste )

21 de junho de 2012

Pátria Amada, Não é Mãe Gentil




Corro todos os dias, ou quase todos os dias. 
Gosto de correr, pois a corrida funciona como  um atalho para autoconsciência, é quando me conserto, me reinvento. Enfim... um encontro comigo mesma. Às vezes corro  na calçada do Museu Emílio Goeldi (calçada usada diariamente por praticantes de corrida, caminhada, passeio com cachorro, e mais recentemente usuários de maconha) até completar a distância definida para o dia.
Um dia desses,  durante um treino vi uma imagem me tirou totalmente a concentração.
Estava sentado num canteiro diante de mim, um morador de rua que normalmente passaria despercebido numa cidade onde moradores de rua,  inquestionavelmente  fazem parte do cenário.
Parece crueldade dizer que fazem parte do cenário pessoas vivendo ao relento sem o mínimo necessário, com suas vidas e feridas expostas. Parece cruel mas é verdade. Verdade daquelas nuas e cruas e sangrentas.
Mas quero me ater a somente um morador de rua. Somente ao que me tirou a concentração, me tirou a certeza de que tudo estava bem, me roubou a paz por alguns minutos.
Não sei seu nome, não sei sua idade, não sei absolutamente nada sobre ele, mas sei onde mora. Mora na rua.
Tive uma vontade quase incontrolável de parar e perguntar: Como é seu nome? Por que está assim? Qual é sua história? Mas não fiz isso, pelo medo que senti. Tive medo dele. Tive medo daquilo que poderia ouvir.

Durante os primeiros quilômetros percorridos por mim, eu passava por ele e olhava meio de lado, pelo canto de olho, assim curiosa. Já lá pela terceira ou quarta passada, olhei fixamente  e pude perceber a sua juventude e beleza atrás do rosto sujo, da roupa imunda e rasgada havia um ser humano, e bonito. E imaginei que teria entre 20 e 26 anos mais ou menos.
Continuei correndo, agindo exatamente como todos... desviando. Olhar de frente pra cena tira a paz.
Inútil, por que  quanto mais eu tentava me concentrar na corrida, mais aquela imagem triste não saía da  minha cabeça.
Como alguém pode chegar naquele ponto? Teria família? Onde estava esta família? Teria tido na vida alguma oportunidade? Talvez sim. Talvez tivesse ele mesmo optado por aquele destino. Existem algumas maneiras de ser acabar assim.
Estava eu conjecturando sobre a vida de um desconhecido, por que eu queria ter uma resposta.
A cena se repete por vários cantos das grandes cidades. Crianças, jovens, adultos, idosos, brancos, negros gente de toda cor e de todo credo, ou sem credo nenhum ( mais provável ), mas gente como a gente, sem a mesma sorte da gente.
Mas... deixe pra lá. Não podemos fazer nada. Será? Até que ponto somos realmente impotentes? Como ajudar? Não há meio de ajudar? Doação de roupa, esmola, comida? Não sei. Mas algum meio deve haver. Fechar os olhos não cura a ferida, só faz com que ela infeccione, se alastre e contamine a parte ainda saudável da sociedade, as crianças.
O que será que pensam essas pessoas. Este pensamento se fez presente durante toda a corrida.

Na minha última passada por lá, sustentei o olhar dele, o que havia evitado desde o primeiro momento. E sabe o que não havia naquele olhar? Não havia ódio, não havia raiva, não havia dor, nem tristeza, não havia esperança nem fé, nem amor...Nada. Não havia nada naquele olhar. Um olhar cheio de VAZIO. Um olhar cheio de nada. Um olhar sem expectativas, sem decepções e sem vida.
Naquele instante a minha indignação e impotência tinham as mesmas dimensões.
Mas agora, pensando melhor, acho que uma das coisas que podemos fazer para tentar mudar, tentar minimizar essa realidade é direcionar melhor nossos votos. Se eu estiver certa, esse é o único caminho viável para tentar equilibrar a sociedade. Nada que eu faça além disso vai consertar esse estrago.

Vidas tratadas com descaso. É isso que está acontecendo. Simplesmente isso. descaso meu, seu, do município, do governo.  Enfim, somos uma sociedade omissa tanto quanto o governo.


2 comentários:

  1. Linda e emocionante crônica, Pea. Adorei.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  2. Muito boa esta descrição.

    Adorei especialmente a tua luta interior, o sentir que afinal de contas te interessas.

    Um beijo, Pea

    ResponderExcluir

Quem sou eu

Gosto de escrever. Escrever para mim é uma necessidade, uma cura. Escrever é um ato de extrema entrega, é de dentro pra fora. Escrevo por urgência, escrevo por amor e com amor. Sou imediatista, intensa, e sonhadora! Defeitos? Tenho muitos, incontáveis talvez; melhor nem dizê-los.; Tenho uma alma sonhadora. Sonho, e como sonho...

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