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8 de fevereiro de 2015

Senha 912

Senha 912



Há certo tempo sinto brotar nos meus pensamentos um esboço de um tema que às vezes dói, em outras traz saudades, e que de certa forma nos incomoda.
Incomoda pelas dúvidas e crenças que cada um de nós carrega consigo, incomoda pelas velhas dores sem remédio e sem porquês, que carregamos no peito. Dores que ficam alí guardadinhas,  mantê-las nos mantém também perto de quem já se foi.




Enquanto estou aqui, numa fila monstruosa com a minha senha, aguardando o nr 943 ser chamado, meu pensamento voa estimulado pela manchete mórbida de um jornal barato,  que nem mesmo é o jornal do dia...um desses jornais deixados em salas de espera para ajudar a passar o tempo de quem espera. Que ironia: " ajudar passar o tempo " (como se o tempo precisasse de ajuda para passar). Logo o  tempo, que é tão precioso e parece ser cada vez  ser "menos", ser "menor", às vezes parece que faltam minutos na hora, e faltam horas no dia,  mas  esse mesmo tempo algumas vezes pesa e é preciso dimiuir o peso, distrair-se  ainda que seja com manchete barata para não sentir o peso que arrasta as horas.

A senha que pisca no painel agora é a 825, não sei quanto tempo terei que desperdiçar aqui, então procuro desperdiçá-lo da melhor maneira possível.

A vida é mais ou menos isso, uma passagem, uma espera, um meio, um caminho. Nascemos, recebemos nossa senha, e um dia ela piscará no monitor, e lá iremos todos prestar contas, receber créditos, somar débitos.

A manchete do jornal fala de alguém que burlou o sistema, apresentou sua senha antecipadamente e devolveu o presente. Foi isso que me trouxe esse texto quase mórbido, ou completamente mórbido, depende do ponto de vista, pois ironicamente não há como falar de vida sem falar de morte, ou falar de morte sem despertar maior valor pela vida.

Chico Anysio, disse: "Não tenho medo de morrer, tenho pena", a morte nada mais é que deixar de viver.
Senha 898. Continuo aqui esperando por um atendimento ineficiente e grosseiro, órgão público... há de ser ter paciência; nesse caso, burlar o sistema e antecipar a senha seria compreensível e totalmente perdoável.

Vida e morte, um inexiste sem o outro, são complementos e certeza do inverso. A morte existe para dar sentido à vida, mas pode haver morte sem haver vida? Acho que pode, se partir do princípio de que alguns apenas existem. Existir não é sinônimo de viver. Vida é explosão, morte ausência de tudo. Vida é colorido, morte é incolor, vida é música, morte é surdez angustiante.

Senha 912, o monitor agora pisca insistentemente, chamando a senha 912... 912 não está. Desistiu de esperar, chame o próximo. Tenho pressa, penso. Todos temos pressa. Pressa é o medo de que a vida passe em branco.

Penso que quando Bertrand Russell disse que; "A vida é demasiado curta para nos permitir interessar-nos por todas as coisas, mas é bom que nos interessemos por tantas quantas forem necessárias para preencher os nossos dias." quis dizer exatamente que devemos viver e não apenas existir. Devemos dar sentido à vida para que a própria vida faça sentido. Uma vida vazia não me parece fazer sentido, nesse caso esperar a senha é quase um sinônimo da intangível existência.

Morte não emite aviso prévio, portanto melhor mesmo, é que tratemos de preencher a imensa lacuna que há entre um e outro, passarmos a limpo os rascunhos e publicarmos cada dia um novo capítulo.

Senha 942, sou a próxima. O texto acaba aqui.

Não há mais idéias e nem tempo para tê-las, lá vou eu ser atendida para terminar o que vim fazer aqui.
Senha 943.

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Quem sou eu

Gosto de escrever. Escrever para mim é uma necessidade, uma cura. Escrever é um ato de extrema entrega, é de dentro pra fora. Escrevo por urgência, escrevo por amor e com amor. Sou imediatista, intensa, e sonhadora! Defeitos? Tenho muitos, incontáveis talvez; melhor nem dizê-los.; Tenho uma alma sonhadora. Sonho, e como sonho...

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