Poemas participantes da enquete ( Em teste )

27 de setembro de 2012

Sol de Hokkaido

O ano era 1987, e era o  inverno  mais rigoroso que ela já vivera até ali. Estava  em um vilarejo na província de Hokkaido, uma ilha ao norte do Japão, não sabia ao certo quanto tempo deveria ficar, mas certamente um longo tempo. 

Alice era um  pouco mais que uma menina, tinha vinte e poucos anos e uma ingenuidade quase duvidosa.
Era falante, alegre e freqüentemente tinha ataques  de risos espontâneos e inexplicáveis, ela era feliz, já nascera feliz, não precisava de motivos para isso.
Estava ali por causa de um trabalho voluntário, e não sabia ao certo quanto tempo permaneceria.

Já estabelecida, acordava todos os dias com um leve tremor de terra, e achava que as paredes iriam ruir sobre si; mas isso logo passou a ser rotina,  e consequentemente já passava despercebido.
Olhava pela janela e podia ver um lençol branco de neve estendido pela rua, era tão branquinho, que mais tarde quando tivesse que pisá-lo teria pena.

Os dias eram de cor cinza, tudo era cinza por ali, inclusive o humor das pessoas daquele lugar.
O sol não chegava a sua janela, mas ela sabia que o sol  de Hokkaido era frio.
As noites eram escuras, frias e assustadoramente silenciosas.


O idioma ainda era um bicho de sete cabeças, (além do dialeto local  - ainu, havia a língua oficial- japonês) falava palavrinhas soltas, isoladas,  nem chegava a ser o mínimo necessário. Mas logo, isso deixou de sem um problema; com pouco mais de um ano morando ali, não só falava, como lia o Hiragana e Katakana com perfeição, e até um pouco do Kanji (o que era seu grande orgulho). Ali tudo lhe parecia muito familiar. As coisas, os sons e cheiros e os sabores daquele lugar eram-lhe de alguma forma muito íntimos.


Morava sozinha,  e gostava disso. Tudo aquilo era temporário. Sabia que quando terminasse o que fora fazer ali, teria que voltar, e essa certeza indiscutível  apertava-lhe o peito.
Gostaria  muito de ficar ali para sempre. Era a primeira vez em pouco mais de vinte anos, que sentia-se parte de algo; sentia-se em casa, era como se sua alma fosse  japonesa. Sabia ser aquele, o seu lugar.

Mas como tudo na vida é passageiro, sua missão em Hokkaido acabara após quatro inesquecíveis anos. Estava então totalmente adptada, falava  japonês fluentemente, inclusive com sotaque japonês. Agia como se de fato fosse uma cidadã japonesa.

Então, chegada a hora de partir, Alice deixa no Japão metade de sua alegria, uma parte do seu coração, talvez um dia ainda voltasse ali, para  reencontrar-se.

Bem, Alice hoje não tem mais vinte e poucos anos, não tem mais ataques espontâneos de risos, não  vive mais naquele lugar que acreditava ser seu, mas ainda lê e escreve Hiragana e katakana, o que fatalmente aumenta sua saudade, pois Alice tem alma japonesa.





Um comentário:

Quem sou eu

Gosto de escrever. Escrever para mim é uma necessidade, uma cura. Escrever é um ato de extrema entrega, é de dentro pra fora. Escrevo por urgência, escrevo por amor e com amor. Sou imediatista, intensa, e sonhadora! Defeitos? Tenho muitos, incontáveis talvez; melhor nem dizê-los.; Tenho uma alma sonhadora. Sonho, e como sonho...

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