Toda viagem tem figurinha única. E essa não poderia ser diferente.
Já passava das 22:00, o ônibus estava atrasado, e eu apesar de cansada me mantinha alerta a tudo que acontecia ao meu redor.
A essa altura já tinha uma noção das pessoas que viajariam no mesmo ônibus, pois estavam todos reclamando do atraso, exceto uma moça que parecia muito à vontade com seu namorado. "À vontade" talvez não seja bem o termo, o casal sentia-se de fato em casa. Era beijo pra cá, amasso pra lá, aperta aqui, esfrega um pouco, morde ali.... gemidinhos e risinhos não faltavam aos dois. Imaginei que se fossem viajar no mesmo ônibus teríamos cenas tórridas de amor durante a madrugada, e isso me deixou vermelha.
Já era quase 23:00, e o casal estava agora na minha frente. Ela era loira, cabelo longos e cacheados, alta e não teria mais que 23 anos; ele deveria ter uns 25 anos imaginei. Também muito bonito, alto, moreno, olhos e cabelos negros, os dois combinavam e se amavam muito dada a demonstração física da coisa toda.
Enfim o ônibus chegou. Malas devidamente acomodadas no bagageiro, era a nossa vez de nos acomodar. Durante a entrada no ônibus, o casal continuava a terapia intensiva de engolição mútua. Entrei, com os olhos percorri o número acima de cada poltrona, até encontrar a minha. Poltrona na janela.
O ônibus estava lotado o que significava que fatalmente eu teria um vizinho de poltrona. Como seriam quase 24 horas de viagem, rezei para que o vizinho não roncasse e falasse pouco, ou nada. O que seria perfeito pra mim.
Olhei pela janela e lá estava o casal, a moça chorando muito e ele a consolava de uma maneira que me comoveu. Pensei que nada no mundo deveria separar as pessoas que se amam. Que triste! Pensei.
A loirinha enfim largou o namorado gato - ele era lindo - e entrou no ônibus, e adivinhem onde a criatura sentou??? Era a minha vizinha de poltrona. Ela chorava compulsivamente quando se acomodou ao meu lado.
Virei meu rosto para a janela e percebi que o ônibus já estava em movimento. Quando entramos na BR notei que havia um carro acompanhando o ônibus, então cutuquei a moça que já havia diminuído o fluxo de lágrimas e perguntei se era o namorado dela. E ERA. Por alguns minutos ele acompanhou o ônibus e aquilo já estava me deixando aflita, a moça fazendo coraçõezinhos no vidro e o carinha no carro lá embaixo mandando beijos (pelo menos ela havia parado de chorar). Depois de explícita demonstração de amor, o carinha se foi e ela ainda chorosa, deitou sua poltrona e choramingou a noite toda.
Na manhã seguinte quando paramos para o café, ela estava mais alegrinha... Bem alegrinha posso dizer. Nos apresentamos. Descobri que seu nome era Santinha.
Voltando para nossas poltronas, não pude deixar de ouvir a conversa de Santinha com o namorado, pelo celular.
Ela falava da saudade, e que já não aguentava ficar longe dele. Pude perceber que ele já estava esperando pela chegada dela naquela noite, o que me levou a concluir e não entender por que ele teria ido de avião e ela de ônibus.
Durante a outra metade da viagem Santinha se mostrou muito apaixonada e logo todos no ônibus já sabiam que o namorado de Santinha já estava em Curitiba, pois a quase todo momento se falavam por telefone.
Eu dormi quase todo o resto da viagem.
Já era quase meia noite quando chegamos em Curitiba. Mesmo antes que o ônibus estacionasse, Santinha já estava em pé procurando pelo namorado que já deveria estar a postos. Eu pensei: Se ele não estiver aqui vai começar a choradeira.
Santinha em pé no corredor, já demonstrava pelo alvoroço que a acometeu, que o namorado a estava esperando. Eu não o tinha visto. Acho que o ônibus todo procurou por ele.
Descemos enfim... e Santinha toda faceira correu de braços abertos para ... para quem??? Aquele não era seu namorado. Pelo menos não era o mesmo namorado que vimos na rodoviária de onde partimos. E agora estava ela ali...ou melhor, ela e ele, um outro "ele", e a mesma paixão que todos os passageiros testemunharam na noite anterior.
Enquanto aguardávamos o descarregamento das malas Santinha apresentava a mesma terapia intensiva de engolição mútua, com o outro "ele".
Peguei minha mala, me encaminhei até a plataforma, passei por trás do outro "ele", e olhei para Santinha que rapidamente levou o dedo indicador aos lábios cerrados num gesto de silêncio.
Santinha agora não chorava, Santinha sorria sem culpa e com alegria.
O ônibus todo não conseguiu entender nada, o ônibus todo não conseguiu entender que Santinha tinha muito amor para dar.
Deixa lá... também há homens assim!
ResponderExcluirBeijos.
Adorei a tua descrição!